sábado, 15 de outubro de 2016

Maratona Literária: bastidores de um breve mergulho pela literatura irlandesa


Depois de 30 dias, 1771 páginas e uma média de 15 litros de café, a maratona literária chegou ao fim. Foram dez autores entre clássicos e contemporâneos irlandeses. Passei por nomes renomados como Bernard Shaw, James Joyce e Oscar Wilde, além de outros completos desconhecidos, como Thea Woolf ou Lane Ashfeldt, com as delicadezas de Saltwater. Essa experiência deixou marcas positivamente definitivas que acredito que mereçam ser compartilhadas.

Estudo inglês há algum tempo e sempre fiz o possível para absorver o idioma. Nunca havia me ocorrido a ideia de me deixar ser absolvida por ele. A leitura em português me é muito natural, um hábito. Em português já me desafiei de inúmeras formas diferentes. Já me dividi entre Freud e Jung, sobrevivi ao existencialismo de Sartre e Virginia Woolf, à boêmia de Bukowski. Já quis ser Balzaquiana aos 18 e humana, demasiadamente humana aos 28. Em português rodei o mundo literariamente e sou grata aos tradutores que me levaram pela mão até George Orwell, Ítalo Calvino e tantos outros nomes em diferentes campos da escrita.

Vida longa a esses tradutores, às editoras que trazem para perto obras de tão tão distante. Mas que a verdade seja dita, ler um livro no idioma em que foi escrito é uma experiência indescritível. Não estou aqui para discutir o mercado editorial e seus bônus e ônus, mas só agora entendo a preocupação do tcheco Milan Kundera, que em dado momento da carreira, inquieto com os erros nas traduções de suas obras, passou a traduzir alguns de seus próprios livros, criou inclusive um pequeno dicionário no qual explica à sua maneira o que seriam as palavras-chave que norteiam sua obra. Lembrei dele enquanto lia em inglês e me deliciava com a ideia de que estava a mercê apenas dos meus próprios erros de julgamento e interpretação e não de terceiros.

Ler em inglês um pouco da literatura irlandesa me fez inclusive acessar uma parte de mim até então desconhecida. A sensação de compreender e absorver em inglês narrativas mais densas entre prosas poéticas e diferentes tipos de humor foi sem dúvida enriquecedor, mas a melhor parte mesmo foi ser absorvida por essas obras que, por estarem em outro idioma, como que despertaram essa outra eu dentro dessa outra língua. E foi uma sensação que beira o extraordinário sentir a percepção mudar para entender o novo conteúdo, de certa forma, longe da minha bagagem usual. Praticamente uma “mala extra”, cheia de mistérios e surpresas que foram se apresentando à medida que eu me dispunha a olhar e entender o mundo de outras maneiras além das conhecidas.

Pode parecer óbvio ou bobo, mas uma vez que me desliguei da necessidade de saber o significado de palavra por palavra para me ater ao entendimento de ideias por ideias, minha forma de perceber o idioma mudou e continua mudando. Desde que passei a usar essa “mala extra” me vejo completamente mergulhada no novo idioma.

Ler esses autores na língua deles fez com que eu me sentisse mais próxima de cada um deles. Mais do que isso, sinto-me pela primeira vez realmente inserida na cultura de um país no qual vivo há mais de dois anos. Passei a reconhecer características que até então eu via sem saber identificar. Hoje já não ando pelas ruas sem observar falas e trejeitos descritos nos livros, sem questionar o quão reais foram a ficções lidas ou quão fictícias são as cidades interioranas que tenho visitado.

Diante dessa nova “bagagem” que não pesa, mas também não para de crescer, não pude me conter, tive que compartilhar um pouco do que foi e está sendo essa experiência. A maratona terminou porque foi projetada para ser curta, mas a estante não deixa de aumentar e vou continuar compartilhando impressões e indicações de livros, filmes, músicas e lugares, porque a cultura é absorvível em toda parte. E com alguma sorte é ela quem te absorve.

Os livros da Maratona Literária




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