Depois
de 30 dias, 1771 páginas e uma média de 15 litros de café, a maratona literária
chegou ao fim. Foram dez autores entre clássicos e contemporâneos irlandeses.
Passei por nomes renomados como Bernard Shaw, James Joyce e Oscar Wilde, além
de outros completos desconhecidos, como Thea Woolf ou Lane Ashfeldt, com as
delicadezas de Saltwater. Essa experiência deixou marcas positivamente
definitivas que acredito que mereçam ser compartilhadas.
Estudo
inglês há algum tempo e sempre fiz o possível para absorver o idioma. Nunca
havia me ocorrido a ideia de me deixar ser absolvida por ele. A leitura em
português me é muito natural, um hábito. Em português já me desafiei de
inúmeras formas diferentes. Já me dividi entre Freud e Jung, sobrevivi ao
existencialismo de Sartre e Virginia Woolf, à boêmia de Bukowski. Já quis ser
Balzaquiana aos 18 e humana, demasiadamente humana aos 28. Em português rodei o
mundo literariamente e sou grata aos tradutores que me levaram pela mão até
George Orwell, Ítalo Calvino e tantos outros nomes em diferentes campos da
escrita.
Vida
longa a esses tradutores, às editoras que trazem para perto obras de tão tão
distante. Mas que a verdade seja dita, ler um livro no idioma em que foi
escrito é uma experiência indescritível. Não estou aqui para discutir o mercado
editorial e seus bônus e ônus, mas só agora entendo a preocupação do tcheco
Milan Kundera, que em dado momento da carreira, inquieto com os erros nas
traduções de suas obras, passou a traduzir alguns de seus próprios livros,
criou inclusive um pequeno dicionário no qual explica à sua maneira o que
seriam as palavras-chave que norteiam sua obra. Lembrei dele enquanto lia em
inglês e me deliciava com a ideia de que estava a mercê apenas dos meus próprios
erros de julgamento e interpretação e não de terceiros.
Ler em
inglês um pouco da literatura irlandesa me fez inclusive acessar uma parte de
mim até então desconhecida. A sensação de compreender e absorver em inglês
narrativas mais densas entre prosas poéticas e diferentes tipos de humor foi sem dúvida enriquecedor, mas a melhor parte mesmo foi ser absorvida por essas
obras que, por estarem em outro idioma, como que despertaram essa outra eu
dentro dessa outra língua. E foi uma sensação que beira o extraordinário sentir a percepção mudar para entender
o novo conteúdo, de certa forma, longe da minha bagagem usual. Praticamente uma
“mala extra”, cheia de mistérios e surpresas que foram se apresentando à medida
que eu me dispunha a olhar e entender o mundo de outras maneiras além das
conhecidas.
Pode
parecer óbvio ou bobo, mas uma vez que me desliguei da necessidade de saber o
significado de palavra por palavra para me ater ao entendimento de ideias por
ideias, minha forma de perceber o idioma mudou e continua mudando. Desde que passei
a usar essa “mala extra” me vejo completamente mergulhada no novo idioma.
Ler
esses autores na língua deles fez com que eu me sentisse mais próxima de cada
um deles. Mais do que isso, sinto-me pela primeira vez realmente inserida na
cultura de um país no qual vivo há mais de dois anos. Passei a reconhecer
características que até então eu via sem saber identificar. Hoje já não ando
pelas ruas sem observar falas e trejeitos descritos nos livros, sem questionar
o quão reais foram a ficções lidas ou quão fictícias são as cidades
interioranas que tenho visitado.
Diante
dessa nova “bagagem” que não pesa, mas também não para de crescer, não pude me
conter, tive que compartilhar um pouco do que foi e está sendo essa experiência.
A maratona terminou porque foi projetada para ser curta, mas a estante não
deixa de aumentar e vou continuar compartilhando impressões e indicações de
livros, filmes, músicas e lugares, porque a cultura é absorvível em toda parte.
E com alguma sorte é ela quem te absorve.
Os livros da Maratona Literária
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